Há algum tempo, trabalhando numa organização muito pouco organizada no que à gestão de informação dizia respeito, percebi que existia uma duplicação brutal de dados que resultava da dificuldade que os utilizadores tinham em localizar ficheiros nos discos partilhados na rede. A organização de pastas era de tal forma pessoal e intransmissível que ninguém encontrava nada quando ia à procura. A solução era recorrente: cópia do ficheiro para o sítio “que eu sei” e circulação posterior por correio eletrónico. Não preciso de explicar a confusão gerada na gestão de informação, no desempenho dos sistemas e nos custos associados ao armazenamento de dados (não é por não falarmos neles que eles não existem).

Para facilitar a vida no meu serviço, fiz uma tabela muito simples em que se identificavam os ficheiros pelo nome, descrição sumária do conteúdo e – o mais importante – que continha uma ligação para a localização dos ditos na rede. Não era a revolução necessária para reverter décadas de má prática de gestão documental, mas dava para o gasto e estancava a duplicação de informação e o entupimento do correio eletrónico. Ou melhor, deu, durante uns tempos. Porque há um dia em que começo a receber telefonemas de gente aos gritos “os links não funcionam!”, ocasionalmente acompanhados de outra linguagem técnica que me abstenho de reproduzir.

O que é que tinha acontecido? Um utilizador tinha acrescentado (e, para ajudar à festa, aleatoriamente ou com uma lógica que só ele percebia) um # no início do nome de alguns  ficheiros. Foi a minha vez de largar alguma sonora linguagem técnica e, depois do alívio causado, perguntar: “Porquê?” Resposta: “Ah, é que assim quando abro o explorador estes aparecem em cima”.

Durante muito tempo tomei esta história como exemplo de iliteracia digital mas, uns anos passados a pensar sobre gestão de informação, percebo que é exemplo de muito mais que isso. O mundo divide-se entre os que navegam e os que pesquisam.

Dito de uma forma mais concreta, este utilizador esperava recuperar informação através da forma como ela estava armazenada e, consequentemente, lhe era apresentada no ecrã. Enfim, podemos questionar o critério do “em cima = mais importante para mim neste momento por razões que só eu sei”, mas a ideia é essa. Há outra metade do mundo, contudo, que espera recuperar a informação através da forma como ela está descrita e, consequentemente, lhe é apresentada como resposta a uma pergunta.

A tentação de associar os que navegam à tecnologia analógica e os que pesquisam à tecnologia digital é grande, mas a coisa não é assim tão linear. Efetivamente, a forma mais antiga e tradicional de recuperar informação tem a ver com a “arrumação”: se quero um romance português vou encontrá-lo na prateleira da literatura de língua portuguesa, se quero um ofício expedido vou encontrá-lo na pasta das saídas, se quero uma ponta de seta vou encontrá-la no contentor dos materiais líticos. Não repetindo algo que já escrevi aqui, não havia grandes alternativas até há bem pouco tempo e a tecnologia digital é o grande aliado dos motores de busca. Mas o melhor sistema para os que navegam, hoje em dia, é seguramente digital.

A diferença entre navegar ou pesquisar vai para além da tecnologia. É uma questão de conceitos e de expectativas. Se eu prefiro navegar, o sistema de organização da informação é mais importante que a caracterização do objeto de informação. Se eu prefiro pesquisar, a caracterização do objeto de informação é mais importante que o sistema de organização da informação.

O que é que é melhor? Bom, eu sou dos que pesquisam… A história que comecei por contar parece-me mostrar que os sistemas de arrumação (em caixotes ou em cadeias binárias, vai dar igual) são demasiado voláteis para confiarmos neles. E também me fazem confusão as práticas que valorizam mais a forma como se organizam os objetos de informação do que… os próprios objetos de informação. Além de que esse tipo de práticas tendem a resultar em formas de recuperação de informação que são muito eficazes para quem conhece o sistema mas completamente crípticas para quem chega lá vindo de outro sítio.

Contudo, confiar exclusivamente na descrição para que os resultados das pesquisas sejam consequentes também não é um mar de rosas. Se não houver rigor e normalização na terminologia, nos atributos e nos procedimentos usados na descrição, mais vale não descrever nada e investir na arrumação dos objetos no “sítio certo”. Ou então confiar na serendipidade…

A boa notícia é que navegar e pesquisar não são conceitos mutuamente exclusivos. Qualquer página na internet nos prova. No entanto, é fundamental perceber quais são as expectativas dos utilizadores quando se concebe um sistema de informação: não vale a pena investir um tempo imenso no sistema de organização se os utilizadores vão querer fazer perguntas transversais e que cruzam atributos de objetos arrumados em caixotes diferentes. Ou, em alternativa, o tempo gasto na descrição pode ser contraproducente se os utilizadores apenas vão estar preocupados em localizar rapidamente as caixas onde se guarda a informação.

Porque, como tudo na vida, o que interessa é que o sistema seja eficaz para quem o usa. Para a maioria, vá. Que também ainda não se inventou melhor forma de vivermos em conjunto.

Imagem daqui.

 Maria José de Almeida

Maria José de Almeida é Doutora em Arqueologia pela Universidade de Lisboa.

Até 2016 trabalhou nos municípios de Santarém e Cascais, desenvolvendo ações de arqueologia preventiva e gestão de coleções de bens arqueológicos. Foi responsável pela implementação do Sistema de Informação dos Museus de Cascais e coordenou a integração do mesmo na plataforma de Sistema de Informação Geográfica da autarquia. Fez parte dos corpos gerentes da Associação Profissional de Arqueólogos (APA) desde 2002, tendo sendo presidente da direção no triénio 2007-2009. É membro do Grupo de Trabalho Sistemas de Informação em Museus da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (BAD).

Atualmente integra a equipa da Direção de Serviços de Inovação e Administração Eletrónica da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).

Curriculum detalhado aqui.