Amanhã retomo as voltas que costumo fazer pelos museus do país com quem trabalho. Serão três dias com colegas de diversos museus algarvios para falar sobre a documentação das colecções, o inventário, necessidades dos seus sistemas de informação, novas potencialidades, novos projectos, entre outros assuntos que sobre sistemas de informação dos museus que certamente serão tratados.

Estas minhas andanças têm se revelado, ao longo dos anos, uma excelente forma de tomar o pulso à situação dos museus e dos colegas que aí trabalham e permitem-me também construir uma espécie de indicador (nada científico) do estado da museologia portuguesa. Vejo-o como uma espécie de quadro geral sobre a saúde dos museus e, na minha cabeça, os diversos estados são representados por “smileys” ou “emojis” que vão do famoso contente, até ao zangado, passando por diversos estados.

Este indicador têm sofrido uma queda constante nos últimos anos. Recordo com saudade os idos anos da criação do IPM e da Rede Portuguesa de Museologia, da junção do IPM com o IPCR no IMC, da publicação da Lei-quadro de Museus e da sensação, penso que generalizada, que teríamos os instrumentos necessários para não voltar atrás e as condições para o desenvolvimento da museologia e museus portugueses. No entanto, e ao contrário da maior parte das previsões e vontade de muitos colegas, hoje estamos, no tal indíce, com um “emoji” completamente triste e deprimido. Então e como chegamos aqui? O que falhou? Onde falhamos?

Cultura da precariedade

Este texto foi motivado, devo dizer, pelo texto publicado no Facebook por Helena Miranda, uma colega que trabalha no Museu da Música há 10 anos e que mantém com o museu uma relação profissional de completa precariedade. Coloco aqui o texto para que o possam ler com os vossos olhos.

O testemunho de Helena Miranda, que tem sido partilhado por diversos colegas desde que foi publicado, é um de tantos que vou ouvindo, mas reafirma (no caso com uma boa dose de coragem que saúdo) a continuidade de uma situação que eu vivi no final dos anos 90 e que, desde então, se tem mantido em diversas entidades públicas, apesar dos contínuos anúncios de medidas por diversos responsáveis de diferentes governos que visam, segundo os próprios, dar dignidade ao sector e resolver de uma vez por todas esta matéria. Apesar dessas boas intenções, o resultado que temos agora é péssimo. Temos uma Rede Portuguesa de Museus que é inoperante, uma direcção geral de património que está asfixiada, uma Lei-quadro de museus que não é cumprida ou respeitada pelos diversos governos, museus que fecham, museus que não têm quadro de pessoal (ou que está todo a caminho da reforma sem a necessária renovação das equipas), museus que se mantêm abertos com o esforço de um, vá dois técnicos, descontinuidade de programas de proximidade com as comunidades, colecções sem as condições devidas, enfim… um conjunto de situações de que vou tomando conhecimento e que são motivo para a frustação e desmotivação que sinto entre os profissionais de museus.

Cultura precária

A manutenção desta situação e as consequências que daí advêm são fáceis de prever. Se continuarmos este jogo de empurrar com a barriga os diversos problemas do sector cultural e dos museus em particular, teremos, num futuro não muito distante, deixado um legado miserável a quem nos suceder. É mais do que tempo de deixar para trás a situação de Cultura precária em que nos temos vindo a afundar e aproveitar uma das melhores e mais bem formadas gerações de profissionais na área dos museus, com provas dadas a nível internacional, dando-lhes a oportunidade de contribuir activamente para o desenvolvimento dos museus no nosso país.

Tenho a certeza que são muitos os profissionais de museus com qualificações para levar por diante esta tarefa de retomar o bom caminho, mas para tal é necessária uma verdadeira vontade e um compromisso sério por parte dos responsáveis políticos do sector.

Um compromisso que veja a cultura e os museus não apenas através da quantificação dos visitantes aos museus, mas como um investimento que dá retorno através do turismo, que veja a importante ligação entre museus e escolas, onde os primeiros devem ser encarados como lugares de complementariedade dos programas escolares, que veja os museus como um fórum de discussão e debate participativo e não como instrumento político de propaganda, que veja no museu um papel activo na transformação da sociedade actual e não meramente o espelho do seu passado “glorioso”, enfim um compromisso que permita deixar para o futuro uma situação condicente com os excelentes profissionais que temos.

Nos próximos dias terei certamente a oportunidade de falar sobre este e outros assuntos com vários colegas algarvios, mas acho que é necessário criar as condições para que a nossa voz e a voz das associações que nos representam voltem a ser atentamente ouvidas. Algumas destas questões têm sido levantadas pelo ICOM Portugal nos locais próprios, mas a sensação é que os interlocutores têm “ouvidos de mercador”. Como tal é importante que todos possam contibuir para discutir estes assuntos e, em breve, teremos uma assembleia geral do ICOM Portugal onde estes assuntos podem e devem ser discutidos amplamente. Acho que seria uma excelente oportunidade para tentar colocar estes problemas na agenda mediática.