O que há num nome?

O que há num nome?

O que é aquilo? Como é que eu identifico aquele objecto? O que lhe devo chamar? Como devemos chamar aos objectos que temos nas nossas colecções? Para que é que isto interessa? A quem é que isto interessa?

Há muito tempo atrás, ainda trabalhava no Museu de Aveiro, ouvi pela primeira vez a palavra “cibório”. Se não me atraiçoa a memória, foi nas reservas do Museu, à procura de um outro objecto qualquer para uma exposição, e foi um comentário de um colega, muito conhecedor da colecção, sobre a beleza de um cibório, que vendo a minha cara de ignorância logo completou… “a píxide… aí à tua frente!”. Na altura respondi-lhe “Santinho”! Fica sempre bem para disfarce de ignorância, mas na realidade não fazia a mínima ideia do que era um cibório. Para os que estão sintonizados com o meu eu da altura, deixo abaixo o significado de cibório no dicionário da Priberam:

ci·bó·ri·o
(latim ciborium, -ii, do grego kibórion, -ou, vaso de sementes, taça)
substantivo masculino

  1. Vaso sagrado, com tampa, em que se guardam as hóstias ou partículas consagradas. = PÍXIDE
  2. Vaso para mantimentos.
  3. [Arquitectura]  Baldaquino com que se cobria altares ou estátuas.Confrontar: zimbório.

Palavras relacionadas: píxidezimbóriosacrário.

“cibório”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/cib%C3%B3rio [consultado em 24-01-2020].

Tirando esta, aprendi mais umas quantas centenas de nomes (ou designações de objectos, ou designações comuns ou nomes comuns para deixar algumas das formas que usamos para identificar este tipo de informação), desde então até agora, com dezenas de amigos e colegas que trabalham em museus.

Entre elas, lembro-me, por exemplo de tric-li-trac, agogô, almotolia, arcabuz, chambaril, cofió, polvorinho, reque-reque, selha, etc. Mas perdi a conta à quantidade de nomes interessantes que damos às coisas. Uns mais eruditos, outros mais óbvios, outros estranhos, os nomes (designações, nome comum, etc.) que damos aos objectos são a forma mais óbvia de encontrar a informação sobre um objecto, ou conjunto de objectos, dentro de um sistema de informação e gestão de colecções. É por isto que é relevante, no momento do seu cadastro, inventário ou catalogação, escolher o nome correcto a atribuir a cada objecto. Não pode ser, não deve ser, assim como noutras categorias de informação, uma escolha leviana, mas em muitos casos é uma escolha que se revela complicada e, em determinados casos, exige a ajuda de especialistas de determinada área científica.

Para melhor exemplificar o que digo, peço-vos uma ajuda, digam-me lá o que chamariam a este objecto?

Imagem de instrumento científico

Alguém sabe? Eu confesso que nem imaginava antes de procurar um exemplo para este texto. Isto é um Sifão de Reiselius, um instrumento científico utilizado em Física, mecânica de fluídos, para ser mais exacto sobre o qual podem saber mais no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra e cuja definição encontram no Thesaurus de Acervos Científicos em Língua Portuguesa. Pesquisei no google (apenas uma referência ao thesaurus e uma outra a um texto do MAST no Rio de Janeiro) e Wikipedia (0 artigos em Português e Inglês) para perceber se encontrava alguma coisa, mas nada!

Como este objecto e nos mais diversos tipos de colecções que possam imaginar, há seguramente um conjunto de objectos que não conseguimos nomear facilmente. Desde objectos originários de culturas distintas, objectos usados em contextos locais, instrumentos de áreas científicas muito específicas, objectos que não são comuns ou que foram comuns em determinadas épocas, mas caíram em desuso, entre outros, são muitos os casos onde a dificuldade em encontrar o nome certo é grande para quem necessita de os inventariar ou catalogar correctamente.

Neste sentido, é imperativo que existam ferramentas como os vocabulários controlados, listas de termos, thesaurus, ao dispor dos museus e dos seus profissionais, através das quais seja possível escolher, entre os diversos termos, o mais apropriado para atribuir o nome (ou outra categoria de informação que deva recorrer a vocabulários controlados) a cada objecto. O Thesaurus de Acervos Científicos em Língua Portuguesa é um excelente exemplo destas ferramentas, mas infelizmente é um dos poucos casos existentes em português que serve os museus da lusofonia (há outros, mas são curtos).

Chego a este tema, porque hoje recebi a notícia que o thesaurus Nomenclature for Museum Cataloging, criado em 1978, por Robert G. Chenhall, está agora disponível como Linked Open Data (LOD) e para download, em Inglês e Francês, por cortesia da Canadian Heritage Information Network (e outros parceiros).

Nomenclature for Museum Cataloging é uma lista estruturada e controlada de termos organizados num sistema de classificação para fornecer uma base de indexação e catalogação de coleções de objetos feitos pelo homem, conforme afirmam no site da norma. É utilizada frequentemente por museus da América do Norte, mas tem sido citada como um excelente exemplo por museus e profissionais em diversos países e contextos.

Na minha opinião, poderia ser um dos muitos e bons thesaurus a traduzir para português ou, pelo menos, a servir de exemplo para criar em Portugal um projecto de criação/adaptação de ferramentas de suporte na área dos vocabulários (e já agora, porque não, de outras normas) que pudesse criar ou adaptar normas existentes na área do património cultural.

Um projecto destes teria, obrigatoriamente, de ter o suporte de uma organização forte na área dos museus. A Rede Portuguesas de Museus seria, evidentemente a minha primeira (única) escolha, se a tivéssemos sabido estimar e engrandecer com o contributo de todos os museus parceiros, mas não existindo a rede, julgo que teria que ser a Direção Geral do Património Cultural a assumir as despesas de um projecto com esta dimensão e complexidade.

Não me parece, a avaliar pelo que se conhece, que a DGPC se aventure a fazê-lo. Mas se o fizesse com todos os museus, de forma estruturada e aberta, seria o primeiro da fila a bater palmas!

Entretanto vou usando as luvas para aquecer as mãos!

Ferramentas para a documentação em museus

Ferramentas para a documentação em museus

Diariamente, ou quase, sou confrontado com pedidos de ajuda sobre ferramentas para a documentação em museus ou, de forma mais genérica, para inventário e documentação de património cultural. Ao longo de quase 20 anos de trabalho nesta área tenho respondido a quase todos estes pedidos com diversas informações, quase sempre em inglês, que vou recolhendo das pesquisas na net e bibliotecas. Livros, artigos, sites, projectos, normas, boas práticas, entre muitas outras fontes de informação interessantes que me vão servindo de apoio para as mais diversas questões. No entanto, o panorama tem mudado recentemente, senão vejamos.

O que tem mudado?

Nestes últimos anos temos assistido a um conjunto de iniciativas muito interessantes no panorama da documentação de museus na comunidade de países de língua portuguesa. Desde os seminários que têm sido organizados no Brasil por diversas instituições e colegas em 2010, 2012, 2014, entre outros (basta googlar se quiserem), passando para a publicação do SPECTRUM em Português, em 2013, disponível no site do projecto SPECTRUM PT, até a um conjunto de iniciativas felizes de que são exemplo os Encontros Documentais de Vila de Rei, que marcam também a iniciativa de diversas entidades a nível local e nacional em Portugal, são diversos os motivos que me levam a pensar, ou melhor, a saber que estamos melhor do que estávamos há uns anos.

Uma destas iniciativas, na minha opinião a mais importante no panorama nacional, foi a criação do Grupo de Trabalho de Sistemas de Informação em Museus no seio da BAD. É um grupo de trabalho nascido em 2012 e que tem como objectivo principal reflectir e trabalhar para melhorar os meios que os profissionais de informação têm ao seu dispor nos museus. É descrito da seguinte forma no site da BAD:

O GT de Sistemas de Informação em Museus procura pensar o Museu como um centro de produção de conhecimento ao assumir o objeto de museu como documento e o acervo da instituição museológica, existente nas Reservas, Arquivo, Biblioteca ou Centro de Documentação como um todo unitário nas suas inter-relações informacionais. A visão integradora do acervo do Museu implica um maior enfoque nas potencialidades informativas do acervo, contribuindo assim para uma mais eficiente gestão de toda a informação sobre património produzida em contexto museológico.

O GT-SIM tem várias linhas de acção sobre as quais podem ler mais na página de Facebook criada para a divulgação das actividades. No entanto, nesta data queria falar-vos dos resultado de algumas dessas iniciativas que foram agora dados a conhecer.

 

O Diagnóstico aos sistemas de informação nos museus portugueses

Este será, estou certo, um dos maiores contributos que o GT-SIM dará à comunidade museológica nacional e aos profissionais da documentação nos museus portugueses. É um retrato daquilo que os museus são actualmente no que diz respeito aos seus sistemas de informação e permitirá debater e reflectir sobre políticas nesta área com base em informação fidedigna. Além de ser este instrumento importante, será também a base para futuros estudos nesta área, porque os dados apresentados levantam uma série de questões interessantes que poderão ser alvo de estudos mais finos.

 

Ferramentas para a documentação em museus - Vocabulários Controlados

Os vocabulários controlados na organização e gestão do património cultural: orientações práticas

É um trabalho fundamental para a documentação das colecções. Saber criar e manter um vocabulário controlado é uma das tarefas mais exigentes nesta área de trabalho nos museus que é agora facilitada pela criação deste interessante e muito bem escrito documento pelas colegas (e amigas) Natália Jorge, Filipa Medeiros, Juliana Rodrigues Alves e Susana Medina.

 

Os Guias Técnicos de implementação da SPECTRUM PT

Ferramentas para a documentação em museus - Guias Técnicos

Por fim, os guias técnicos são um conjunto de documentos de auxílio à implementação da norma SPECTRUM que procuram facilitar a forma como os procedimentos são introduzidos no dia-a-dia das actividades de gestão das colecções museológicas, baseados nos SPECTRUM Advices, que foram traduzidos e adaptados para a realidade nacional por mim e pelos colegas (e amigos) Ana Braga, Catarina Serafim, Cristina Cortês, Eugénia Correia, Juliana Rodrigues Alves, Leonor Calvão Borges, Olga Silva, Paula Moura, Paula Aparício e Rafael António.

 

E no futuro?

Como vêm julgo que temos motivos para sorrir. Começamos a ter disponível um conjunto de ferramentas essenciais para a formação de novos profissionais e para o trabalho dos actuais profissionais de documentação em museus. É certo que algumas delas já as tínhamos, mas agora temos em Português, adaptadas à nossa realidade, sem barreiras nas linguagens técnicas.

Além disso, temos agora um panorama real sobre os sistemas de informação dos museus que nos obrigará, espero eu, a reflectir sobre o actual ponto de situação e a pensar onde pretendemos estar daqui a 10 ou mais anos, procurando influenciar positivamente as tutelas e as políticas a seguir (isto acreditando ainda que serão criadas e implementadas de forma consequente).

É um desafio contínuo, bem sei, mas também o foi a criação do GT-SIM e a definição de um conjunto de tarefas agora concluídas.