“exspectante”

“exspectante”

Expectante (a palavra vem, como muitas, do latim “exspectante” que dá título a este texto) é o meu estado de alma para este início de 2024. Expectante porque finalmente, depois de anos e anos de letargia, tivemos decisões importantes para o património cultural português e, também, para os museus e monumentos portugueses.

Imagem do página inicial do site da empresa Museus e Monumentos

Há uns anos atrás este texto teria outro título. Se bem me recordo de mim na época, o título que lhe daria seria algo mais entusiasmado e esperançoso. Hoje é mais desconfiado, com as reservas de quem já viu várias reorganizações e reformas do sector (e dezenas de estudos para o efeito) cairem à primeira crítica ou na primeira mudança de governo. No entanto, é um título ainda esperançoso e ciente que temos capacidade de fazer uma mudança que é, desde há muito tempo, uma absoluta necessidade para a revitalização do sector. Há boas indicações que devem, a meu ver, ser mencionadas.

A primeira boa notícia é que, apesar da constante crise em que nos encontramos desde as revoluções liberais e das mudanças governativas em curso, parece que a reorganização do Estado no sector é mesmo para se manter e será concretizada. Não é uma mudança que agrade a todos e que esteja isenta de críticas e onde se verifiquem situações que importa olhar com maior cuidado (os dados que informaram as opções políticas e técnicas tomadas não são públicos, ao que me é dado a saber, mas deveriam ser), mas é uma mudança que vinha sendo pedida há muito por um largo consenso no sector que considerava a DGPC (o link para a bendita página agora só através do Arquivo.pt) um enorme “navio”, pesado, vagaroso, etc. que não conseguia, pelo seu porte e dimensão, aportar em todo lado onde era necessário. Para os museus que dela dependiam foram anos de estagnação e de restrições (impostas pela crise, pela burocracia, pela máquina pesada e centralizada que a DGPC se revelou) que a custo foram sendo debeladas com algumas boas notícias como o começo da autonomia de gestão vertida nas regras dos mais recentes concursos para as direções dessas instituições.

A segunda boa notícia, na minha opinião, é que se separa museus e monumentos do restante património cultural. Arqueologia, património arquitetónico, património paisagístico, património imaterial (sim… deixa a esfera dos museus, segundo o que vemos nas atribuições do novo IP – Património Cultural) ficam numa esfera distinta com a criação de um novo Instituto Público que terá as competências da extinta DGPC para estas áreas e assume, numa visão centralizadora a meu ver, as responsabilidades das anteriores Direções Regionais de Cultura agora integradas nas CCDRs.

A terceira boa notícia, na minha opinião, é a criação de uma empresa pública que me parece ser uma forma mais realista e com maior proximidade para tutelar instituições que se pretendem modernizar e dinamizar junto de públicos e comunidades com interesses muito amplos. Aliás se pensarmos nos desafios que estas instituições enfrentam e na velocidade das mudanças neste sector, dificilmente seria compreensível a manutenção ad eternum de uma estrutura organizacional como a da DGPC. Assim, uma gestão mais ágil, que possa dotar os museus e monumentos com pessoas qualificadas e com as competências necessárias (assim como a casa tutelar), que possibilite parcerias ágeis, que integre facilmente (e sem as burocracias demoradas) projectos internacionais, que agarre as oportunidades da transição digital (encarando-as, ao invés de ir com a corrente sem rumo), que dote os museus e monumentos com os recursos necessários para cumprirem as suas missões. Enfim que tenha um objetivos definidos e uma estratégia para os alcançar!

A quarta boa notícia (dada ontem) é a passagem da empresa para o Palácio Burnay1 (na Rua da Junqueira) que permitirá a recuperação do palácio, votado ao abandono desde há uns anos, e libertar o espaço ocupado na Ajuda (que certamente terá boa utilidade para o PNA ou para o IP agora criado. Esta novidade, apresentada ontem na cerimónia que o governo organizou para marcar a entrada em funcionamento das duas entidades acima mencionadas, é também um reflexo da intenção demonstrada de autonomizar seriamente a tutela dos museus e monumentos (o que me agrada profundamente).

HistoriaDePortugal.info, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons

No entanto, mantenho esta reserva e desconfiança (que normalmente não teria), perante as diversas vezes que tive (tivemos) esperança num futuro melhor para os museus portugueses, mas não o vi concretizado até agora. Espero, sinceramente, que esta reforma dê frutos e, quanto mais não seja pela acção, acho que podemos agradecer ao presente Ministro da Cultura (Pedro Adão e Silva) por este passo. Agora está nas mãos do Pedro Sobrado, da Cláudia Leite e da Maria de Jesus Monge colocar a máquina a andar. Espero que tenham o maior sucesso, a bem dos nossos museus e monumentos.

Há também algumas preocupações que mantenho. São várias, mas a que mais me inquieta é a relativa à forma da Rede Portuguesa de Museus.

Quando criada a RPM foi, para mim pelo menos, um sinal de enorme esperança. Não era só isso, mas constituiu-se como uma rede de entreajuda entre instituições, com programa de formação de profissionais e um sistema de avaliação e creditação de museus que alavancou o desenvolvimento destas instituições. Fê-lo através de programas de apoio e formação e acções de acompanhamento técnico asseguradas por uma equipa incrível que foi definhando ao longo dos anos, por falta de investimento e atenção ao papel fundamental que a RPM desempenhou nos primeiros anos de existência.

A RPM é hoje constituída por museus de diversas tutelas, da esfera pública e privada, que vão desde o estado central, até às fundações e empresas, passando pelos municípios e acabando nas universidades. É diversa nas tutelas, mas também na dimensão, tipologia e recursos (financeiros e humanos) dos museus que a integram. Herda uma metodologia de trabalho testada, no que diz respeito à creditação dos museus, mas que urge reavaliar, discutir e, sendo o caso, atualizar. Tem formado profissionais de museus em diferentes áreas ao longo dos anos, mas em determinadas áreas (a documentação, por exemplo) precisa de rever e atualizar currículos e conteúdos. Tem sido, desde a sua criação, fonte de inspiração para a criação, dispersas pelo território, de um conjunto de redes de museus regionais como a Rede de Museus do Baixo Alentejo, do Algarve ou do Douro (para citar apenas algumas) com benefícios evidentes para os museus e profissionais dessas regiões.

Captura de ecrã do website da Museus e Monumentos, EPE

Por tudo isto, a RPM foi e é um elemento fundamental para o desenvolvimento dos museus em Portugal. Por isso a minha preocupação prende-se com o facto de manter a RPM na dependência da Museus e Monumentos, EPE com a seguinte menção no diploma legal que cria esta entidade:

Artigo 3º – alínea m:

O desenvolvimento da Rede Portuguesa de Museus (RPM), tendo em vista a operacionalização das orientações estratégicas para o trabalho em rede entre os museus que a integram, a qualificação do tecido museológico nacional, a implementação dos núcleos de apoio a museus, a promoção e a credenciação de museus, a articulação com outras redes nacionais e internacionais, a descentralização da oferta cultural e o envolvimento dos públicos;

https://data.dre.pt/eli/dec-lei/79/2023/09/04/p/dre/pt/html

Não me interpretem mal. Eu concordo que o papel da rede é o descrito na citação do Decreto-Lei n.º 79/2023, de 4 de setembro acima transcrita. O que eu não concordo é que a RPM se mantenha apenas como um “departamento” ou ramo dentro da EPE, quando deveria ser um organismo autónomo, ainda que dependente da administração central, com capacidade e meios para cumprir as funções atrás descritas. É certamente da minha pouca experiência em termos de administração pública, mas uma organização distinta, com possibilidade de participação de outras tutelas (públicas e privadas), de pequena dimensão e de responsabilidade partilhada (principalmente a financeira), com critérios de participação bem definidos (em termos de recursos financeiros e humanos e responsabilidades) e com um sistema representativo das diferentes áreas nos órgãos de gestão, teria mais força e capacidade do que um “departamento” dentro de uma empresa pública que, queiramos ou não, tem o seu futuro ligado à boa vontade e visão política do governo e facção política que conduzirá os destinos do país em determinada altura.

A existência de uma instituição independente da EPE e com participação activa de diversas tutelas permitiria, na minha opinião:

  1. um sistema de credenciação completamente independente;
  2. responsabilização e participação activa de todas as tutelas;
  3. uma rede de distribuição de recursos eficiente;
  4. a criação de núcleos de apoio diversificados;
  5. uma maior sustentabilidade da própria RPM;
  6. a descentralização e disseminação pelo território.

Enfrentaria alguns desafios e obstáculos, desde logo, o modelo de governação. A criação de uma instituição que representa diversas tutelas implicaria a definição de um modelo de governação mais complexo, mas ainda assim, não me parece que fosse uma empreitada impossível. Há exemplos de redes em que administração local e central (a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, por exemplo) estabelecem contratos programas com encargos e participação mútuos ou de projectos na área da cultura para os quais foram criadas fundações participadas por diferentes entidades, como são os casos da Casa da Música ou de Serralves. É possível seguir este caminho, diria eu.

Estou certo que haverá bons argumentos a favor da manutenção da RPM na Museus e Monumentos, mas os que vejo (sob uma perspectiva enviesada certamente) não fazem pender a minha balança para outra opinião que não esta.

Estou então cauteloso e expectante! A aguardar que 2024 seja um ano marcante (pelo menos já é um ano de acção) para os museus, monumentos e património cultural português. Para já fez-me voltar a escrever e a reflectir aqui.

Um Bom Ano para todos!

  1. Uma nota para o sistema SIPA que falha sempre que se tenta abrir uma imagem e tem sido votado, como outros sistemas de documentação, a um abandono incompreensível. Falaremos nisso noutra altura. ↩︎
Inventário fino, inventário grosso (ou normal, vá!)

Inventário fino, inventário grosso (ou normal, vá!)

A 24 de Novembro, perto da hora de jantar, ouvi a notícia na SIC que o Ministro da Cultura anunciou, em entrevista ao Expresso*, um “inventário fino” do património cultural que permita criar uma “lista de património a devolver às ex-colónias” como titula e destaca o Expresso na sua edição de 25 de Novembro. O tema alerta-me por razões óbvias, mas ao ouvir a expressão “inventário fino” lembrei-me do clássico anúncio da Bic – sim, para os que ainda se recordam, “Bic laranja, escrita fina, Bic cristal, escrita normal!” – e dei por mim a pensar, o que é na realidade um “inventário fino”? E talvez mais importante, como se faz um “inventário fino”? Ou ainda, que inventários grossos teremos para que se fale agora num inventário fino para responder à questão, sem dúvida pertinente, do que temos nos nossos museus que não deviamos ter?

Vamos lá aos factos (ainda que os factos que podemos analisar têm já mais de 10 anos, sim é de 2013 a publicação “O Panorama Museológico em Portugal” (Neves, 2013), mas os dados são de 2009):

Em 2009 os museus inquiridos no referido estudo tinham 11,9% dos bens que compõem os seus acervos em base de dados (Neves, 2013:70), ainda que 24% dos museus tinham, segundo o mesmo estudo, “os seus inventários totalmente informatizados e 46% têm em curso essa tarefa” (Neves, 2013: 69), tendo nestes dois indicadores um crescimento de 10%, face a 2002. Recordo que em 2002, a percentagem de bens do acervo em base de dados era de 5,4% e também que o acréscimo nestes anos se deve em muito ao apoio do POC (Programa Operacional de Cultura) para os processos de digitalização nos museus e a um aumento temporário de recursos humanos e financeiros para esta tarefa.

Além disso, falta saber, porque eu não depreendo essa informação nos dados que temos disponíveis, exatamente que dados estão em base de dados. Teremos apenas registo/cadastro, inventário sumário ou um robusto inventário desenvolvido em base de dados? Certamente teremos uma mistura destas situações, como é possível concluir lendo o quadro do referido estudo (Neves, 2013: 70) apresentado na página 70 (quadro 3.32 – Modalidades de inventário por Ano), mas ainda assim estou certo que o inventário sumário será, para a maior parte dos museus, a realidade.

Ora se de 2002 para 2009 conseguimos duplicar a percentagem de bens do acervo em base de dados, estou certo que de 2009 até agora, 13 anos volvidos, podemos ser simpáticos na projecção e digamos que temos 30% (arriscaria dizer que não temos nem 20%) de bens do acervo em base de dados. Importa aqui referir que o total de bens do acervo indicados para 2009 era de 28.526.841 (em 567 museus com respostas válidas). Portanto, 30% dos bens do acervo dos museus que responderam ao estudo correspondem a 8 milhões e 550 mil itens (aproximadamente) se a matemática não me falha. Estamos perante, diria eu, um inventário grosso!

No entanto, o Sr. Ministro da Cultura, em 25 de Novembro de 2022, depois de continuados anos de sub-orçamentação do sector cultural, de uma razia continuada nos quadros dos museus nacionais, de continuados problemas por falta de recursos simples para o básico funcionamento das instituições, depois disto e muito mais, dizia, vem falar da necessidade de um “inventário fino” para responder a uma única questão, cuja importância não deve ser menorizada como tem sido até aqui (veja-se, por exemplo, este registo na TT, atualizado em 2022, para se perceber o quanto tempos que caminhar), quando na verdade o processo necessário de inventário, catálogo e da documentação das coleções dos museus nacionais tem sido colocado sistematicamente em espera, com prioridade e atenção igual a zero!

Sim, precisamos de um inventário, fino ou grosso, feito de outra forma, repensado, não centrado nos números e na quantidade de registos disponíveis na plataforma x ou y (embora seja um bom indicador) ou num instrumento qualquer, mas sim centrado na utilização das coleções, na utilização do património cultural na educação, na investigação, na divulgação e, porque não, na criação, ou melhor, como instrumento da criação artística para o futuro. Precisamos de um inventário, mas para o fazer são necessários recursos e, acima de tudo, uma estratégia e um planeamento para a próxima década. Uma estratégia que não se centre em criar um instrumento específico, mas sim em definir ou escolher normas a seguir (não precisamos de criar a roda), em criar ou traduzir bons vocabulários, em financiar um sistema de autoridades que possa ser usado pelos BAM (Bibliotecas, Arquivos, Museus) e a dotar os museus, as instituições de memória, de profissionais com as competências específicas para executar esse plano.

Esse inventário fino (ou grosso) serviria não só os museus nacionais, mas poderia ser uma bela ajuda para muitos museus por todo o país que, em piores condições, fazem um esforço enorme para documentar e gerir o património que têm à sua guarda, mas precisam, em cada um dos territórios, de escolher essas normas, de definir vocabulários, de partir pedra desde os alicerces em vez de partirem de um ponto comum.

Entretanto, sei que ninguém está muito preocupado com isto. É chato, não tem inauguração associada, demora anos, décadas, exige recursos financeiros, formação, etc. Mas sei também que não há outra forma de o fazermos. Um inventário (fino ou grosso) das coleções nacionais que potencie a criação, que nos permita olhar para a nossa história e questionar questões sérias como o colonialismo, por exemplo, ou que permita uma reflexão sobre o mundo actual diversa, inclusiva e baseada na ciência.

Arrogaria-me a dizer ao Sr. Ministro da Cultura que precisamos sim de um inventário fino, mas antes de mais, preocupe-se em dotar os museus que tutela das condições para que se faça um inventário geral e capaz das coleções que detêm (incluíndo a Coleção SEC) e, já agora, que o faça com uma estratégia com estes três planos: Normas, Formação e Pessoal!

*uma nota para o Expresso: miserável chamar na primeira página o destaque para esta notícia e dentro ter um parágrafo, repito, um parágrafo sobre o assunto!

Pare, escute e olhe – Maria José de Almeida

Pare, escute e olhe – Maria José de Almeida

Fui a Berlim à ópera. Fui também para conhecer a cidade, fui também para ver museus.

Vi uma exposição sobre Wagner “e o sentimento alemão” (seja lá como melhor se traduz Richard Wagner und das deutsche Gefühl). O amigo com quem vi a exposição, e cantou na ópera que ouvi nessa noite, explicou-me que foi com Wagner que começou esta coisa de apagar as luzes ao público e mandá-lo estar calado até que a obra chegue ao fim.

Não sabia disso. Sabia que a ópera, e o teatro também, quando começou e até ao séc. XVIII era uma badalhoquice: o pessoal comia, bebia, punha a conversa em dia e fazia negócios de vária índole. Não fazia ideia que tinha sido com Wagner que a coisa mudou. Mudou nos meios intelectuais e burgueses, claro, os espetáculos populares continuaram (continuam?) a ser assim: vai-se pela festa e de vez em quando presta-se atenção ao que se passa no palco.

Enquanto víamos a exposição, disse ao meu amigo que de alguma forma era mais honesto antes. Não ia ninguém ao engano nem ficava lá por obrigação. E punha os compositores (e encenadores e intérpretes) a esforçarem-se mais. Sabiam que tinham de captar a atenção do público. Se havia momentos no decurso do espetáculo em que diminuía o volume das vozes, em que mais cabeças se viravam para o palco, em que mais gente ficava atenta e depois até aplaudia… então era porque o trabalho deles era bom. Vamos ser honestos: se Wagner não tivesse imposto esse novo comportamento na ópera, quem aguentava as cinco horas dos Mestres Cantores de Nuremberga sem dar uns goles numa caneca de cerveja, comentar o assunto do dia ou ir lá fora verter águas?

Curiosamente a produção de Einstein on the Beach a que assisti no Festival de Berlim recuperou qualquer coisa dessas óperas festa. Sabia desde que comprei o bilhete que as quase quatro horas de espetáculo não iam ter intervalo mas que podíamos entrar e sair individualmente e mover-nos livremente em cena. Dois dias antes, recebi uma mensagem com instruções mais específicas, que falava do palco rotativo, que dizia que seria simpático mudar de lugar frequentemente para que todos pudessem usufruir de todas as perspetivas possíveis. E com pormenores muito práticos: por razões de segurança, por favor mantenham os sapatos calçados.

Tinha informação privilegiada, sabia quais as partes em que seria mais interessante estar perto dos cantores e atores em palco, que devia pelo menos uma vez sentar-me no centro da plateia. E também quando seriam os momentos melhores para sair, se fosse preciso. Não foi. Fiquei todo o tempo dentro da sala, mudei de lugar muitas vezes, fiquei agarrada à música e ao movimento, muitas vezes junto do fosso da orquestra com todos os sentidos a absorver a direção rigorosa e emotiva (ah, pois não, não são antónimos!) de André de Ridder. Estive 3:35 sempre atenta.

E porque falo eu de ópera num texto a divulgar num blog de museus? Porque me lembrei imenso disto quando visitei o Pergamonmuseum e o Neues Museum. Foi no último dia, já sozinha, confesso que fui com algum sentimento de obrigação. Visitei outros museus em Berlim que são muito mais o que procuro: sobre uma coisa e não sobre todas as coisas ao longo do tempo e com a escala certa para não ficar de rastos no primeiro terço da visita. Falo da Coleção Scharf-Gerstenberg e de Casa Waldsee, por exemplo. Mas sim, tenho que admitir que seria uma parvoíce não ver as portas de Ishtar e as do mercado de Mileto. E hei de voltar quando puder ver o altar de Pérgamo.

Mas vi estes museus da ilha como o pessoal ia à ópera no séc. XVII: muito mais interessada nos visitantes que lá estavam, nos guardas, nos pormenores da museografia, na vista das janelas, nos interiores dos edifícios… do que nas peças. Há peças emocionantes, sim, mas precisava de viver em Berlim ter um passe anual dos museus (sim, existe, e custa 25€, façam lá as contas à percentagem que isso representa em relação ao rendimento médio alemão) e ir lá todos os fins de semana e alguns fins de tarde. Mesmo o museu da fotografia, que é temático e é um tema dos meus, tem uma escala demasiado grande.

Assim, passei por algumas das coleções mais extraordinárias do mundo como cão sobre vinha vindimada. Parei algumas vezes. Como nas óperas quando havia uma área mais doce ou mais virtuosa ou um bailado mais exuberante que desviava a atenção da perna de frango e da toilette dos vizinhos. Parei numa exposição minúscula entalada entre salas com peças estrondosas. O título foi o chamariz: Nabodocudonozor sob o socialismo. Hã? Primeira campainha. Segunda campainha: o texto de entrada que acaba com um parágrafo com três perguntas.

E ali fiquei. A perceber o papel que o Vorderasiatisches Museum teve no contexto da Alemanha dividida. Como a RDA usou o museu para afirmar a importância da cultura na construção de uma sociedade socialista. E tudo isto contado com recurso a objetos nada estrondosos mas de enorme valor documental para contar essa história. Um desses objetos os vídeos feitos pela televisão estatal sobre as atividades do serviço educativo do museu. Que vi na íntegra.

O que nos faz parar e prestar atenção é certamente diferente para cada um de nós. Haverá quem seja sensível à beleza. Haverá quem seja sensível à singularidade. E uma peça de museu pode ser bela e singular e valer só por isso mesmo.

Não sou insensível à beleza nem à singularidade mas para que elas me emocionem numa peça de museu tenho que ter tempo ou espaço para apreciar essas características como valores absolutos. Uma peça de cada vez.

Ainda assim, o que me faz mesmo parar e prestar atenção é uma boa história. Se for contada com  recurso a objetos belos e singulares, tanto melhor. Mas não precisa. Precisa de ser bem contada, com um objetivo definido e uma estrutura que o sirva na transmissão da mensagem.

Nos museus, na ópera e em tantas outras formas de criação.

The day with its cares and perplexities is ended and the night is now upon us. The night should be a time of peace and tranquility, a time to relax and be calm. We have need of a soothing story to banish the disturbing thoughts of the day, to set at rest our troubled minds, and put at ease our ruffled spirits.

And what sort of story shall we hear? Ah, it will be a familiar story, a story that is so very, very old, and yet it is so new. It is the old, old story of love.

Einstein on the Beach

Knee Play 5: Bus Driver: Two Lovers (Text written by Mr. Samuel M. Johnson)
 Maria José de Almeida

Maria José de Almeida é Doutora em Arqueologia pela Universidade de Lisboa.

Até 2016 trabalhou nos municípios de Santarém e Cascais, desenvolvendo ações de arqueologia preventiva e gestão de coleções de bens arqueológicos. Foi responsável pela implementação do Sistema de Informação dos Museus de Cascais e coordenou a integração do mesmo na plataforma de Sistema de Informação Geográfica da autarquia. Fez parte dos corpos gerentes da Associação Profissional de Arqueólogos (APA) desde 2002, tendo sendo presidente da direção no triénio 2007-2009. É membro do Grupo de Trabalho Sistemas de Informação em Museus da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (BAD).

Atualmente integra a equipa da Direção de Serviços de Inovação e Administração Eletrónica da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).

Curriculum detalhado aqui.

De volta à estrada (finalmente)

De volta à estrada (finalmente)

Estamos de volta (finalmente) à estrada! Foram meses e meses e mais meses atrás do ecrã, em zoom, teams, meets, etc., mas finalmente começamos a sair e, com todos os cuidados, voltamos já esta semana a duas formações presenciais em Torres Vedras e em Bragança. Confesso que já há muito que não ficava contente por gastar gasolina (ainda por mais ao preço a que está), mas desta vez fiquei apesar do rombo no orçamento das despesas mensais!

Começamos esta semana, mas continuamos nas próximas com dois eventos muito interessantes. O primeiro, já no próximo dia 22, é o Workshop BAM! Precisamos de normas! Normas e modelos de dados em B(ibliotecas), A(rquivos) e M(useus). Sim, fixem o BAM! Vai colar e substituir a sigla inglesa GLAM! Este workshop trará a Lisboa, ao Goethe-Institut Portugal, a Monika Hagedorn-Saupe e o Axel Ermert do CIDOC para falarem sobre normas do CIDOC e da ligação entre este e a ISO, nomeadamente através de projectos como o CIDOC CRM, mas também a Ana Alvarez Lacambra e um conjunto de colegas e amigos que têm construído muito o que de bom se faz em Portugal na área da normalização em museus (modéstia à parte que também eu estarei lá).

É um evento a não perder! Mas para o qual se precisam de inscrever, ok?

Na semana seguinte, mais precisamente no dia 29 (tudo às sextas), estarei no Alentejo, mais precisamente em Almodôvar, no 5º Encontro da Rede de Museus do Baixo Alentejo sobre o tema “Os Bastidores dos Museus: Modelos e Práticas, para aprender com os amigos e colegas a sul e partilhar aqueles que serão os desafios do futuro para os museus na área da documentação (mais bastidor não há).

A forma de inscrição e programa do encontro estão indicados na imagem abaixo, mas para facilitar é só enviar e-mail para turismo@cm-amodovar.pt com nome, entidade e contactos a indicar a vontade de participar.

Duas semanas e dois eventos importantes onde terei a possibilidade de matar um pouco das saudades! Espero encontrar-vos por Lisboa ou por Almodôvar!

Arte, Museus e Culturas Digitais – conferência online

Arte, Museus e Culturas Digitais – conferência online

Nos próximos dias 22 e 23 de Abril decorrerá online a conferência internacional Arte, Museus e Culturas Digitais, uma organização do MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia e do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa que tem como principal objectivo, nas palavras da organização, “debater o modo como as tecnologias digitais têm contribuído para a criação de novos territórios e motivado diferentes inovações na produção artística, nas práticas curatoriais e nos espaços museológicos” através de um debate entre diversas perspectivas e promovendo a discussão de trabalhos de investigação recentes, ou ainda em curso, em diversos países e diferentes contextos.

Imagem da fachada do edifício do MAAT
Vitor Oliveira from Torres Vedras, PORTUGAL, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

Esta iniciativa, coordenada pela Helena Barranha (Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa and IHA, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal) e pela Joana Simões Henriques (MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia), conta com um conjunto de investigadores muito interessante e de áreas diversas na comissão científica, que conseguiu selecionar para o programa um conjunto muito interessante de investigadores e projectos que mostrarão, estou certo, o que de melhor se tem feito ultimamente nesta área, numa altura em que o digital assume uma importância cada vez maior face às circunstâncias vividas em todo mundo atualmente.

Confesso que já escolhi algumas comunicações que não quero perder, entre elas a keynote do Ross Parry e do Vince Dziekan – Critical Digital: Museums and their Postdigital Circumstance, que nos trará, estou certo, muito alimento para uma reflexão mais cuidada sobre o futuro dos museus. Eu irei moderar uma das sessões, sobre Interactive Digital Interfaces and Exhibition Design, e confesso que estou muito curioso por ouvir as três comunicações dessa sessão e aprender um pouco mais sobre um assunto que se relaciona, cada vez mais, com a utilização da informação das coleções no espaço expositivo. No entanto, é muito fácil encontrar no programa outros motivos para se inscreverem nesta conferência.

Todas as informações sobre o evento encontram-se no website da conferência e os procedimentos de inscrição estão disponíveis aqui.