CONVERSAS DE MUZÉ | 4º EPISÓDIO – Direito ao esquecimento

CONVERSAS DE MUZÉ | 4º EPISÓDIO – Direito ao esquecimento

Não publicávamos um episódio há 360 dias e ainda assim houve quem não nos tivesse esquecido. Mas… teríamos nós o direito a reclamar o esquecimento?

A apagar todo o registo e documentação do podcast mais irregular do universo?Neste episódio falamos do direito ao esquecimento a propósito da introdução do conceito na legislação europeia. Discutimos que implicações isto pode ter na gestão de informação nas instituições de memória e se queremos, ou devemos, conscientemente determinar o que deve ser esquecido.

Porque falamos de esquecimento, o chefe sugere que conheçam dois projetos maravilhosos que se propõe perpetuar a memória: o Arquivo de Memória promovido pela ACOA– Associação de Amigos do Parque e Museu do Coa e o Rohingya Cultural Memory Centre (RCMC) desenvolvido pela Organização Internacional das Migrações (OIM).

Sejam muito bem vindos de volta!

Imagem deste episódio: Mnemosyne, Mother of the Muses de  Frederic Leighton

Aprender com os Alemães!?

Aprender com os Alemães!?

Acabo de ler um interessante artigo do Pacheco Pereira no Público sobre políticas de colecções, mais especificamente sobre o desenvolvimento das colecções públicas (leia-se de um museu público) que representarão, a médio e longo prazo, o momento social e político vivido em Portugal nos últimos anos.

A propósito de duas exposições (uma sobre a RAF e outra sobre como “ensinar as crianças a protestarem e a reivindicar pelas causas em que acreditam, e sobre os direitos que protegem esse protesto.”), com um discurso bem interessante e interessado, dado que é um coleccionador de materiais semelhantes aos que figuram nas iniciativas do museu alemão, Pacheco Pereira pergunta (em palavras minhas, claro): porque não aprendemos com os Alemães a guardar a evidência material da nossa história actual? Porque é que as nossas instituições não guardam os materiais que se produzem actualmente e serão(?), no futuro, uma amostra dos nossos tempos?

Coloquem-se os meus amigos na posição, de resto bem interessante, que cita Pacheco Pereira no seu texto. Daqui a 20 ou 30 anos quando quisermos fazer uma exposição sobre os tempos da “Troika” em Portugal, temos “… sem dúvida milhares de fotos, mas [teremos] os panfletos distribuídos e os cartazes?” Os que se relacionam, como refere Pacheco Pereira, às manifestações que ocorreram nos últimos anos? Que outros objectos poderíamos querer nessa altura? Bilhetes de avião, malas e e-mails de emigrantes? Umas conversas entre mãe e filho pelo Skype? E a arte que se produz nestes tempos de crise? Que obras devemos guardar? Quais serão as mais representativas? Se tivessem de fazer essa exposição agora qual(is) o(s) objecto(s) que não dispensariam? Qual o objeto que melhor representa a crise dos últimos anos para vocês?

Alguém é capaz de responder com uma certeza firme? Convicto que será mesmo esse o objecto? A mala de cartão representa melhor a emigração dos anos 60 e 70 do que qualquer outro objecto? Uma G3 representa melhor o nosso exército do que a espada de Afonse Henriques? E se sim, porque escolhemos uns objectos em detrimento de outros?

Imagino que não se possa ou queira guardar tudo!

No artigo Pacheco Pereira menciona o exemplo de vários museus alemães, com base nas exposições citadas, indicando-os como cumpridores de uma “tarefa de preservação da memória colectiva mais contemporânea” algo que ainda segundo o autor é “muito desprezado no Portugal de hoje”. Até poderia concordar com a afirmação, mas, no entanto, questiono primeiro se terão sido os museus alemães a guardar aquele material (até podem ter sido, mas ainda assim pergunto) ou se, por outro lado, não terão sido pessoas como Pacheco Pereira a fazê-lo, entregando-os depois aos museus. Em segundo lugar questiono qual a política de desenvolvimento de colecções que deveríamos ter (ou se deveríamos ter uma sequer) para guardar a evidência material dos nossos dias para os que nos seguirão. Será que os museus alemães têm instituído uma política para guardar a memória da sociedade alemã actual?

Eu julgo que mais do que guardar estas evidências, poderíamos aprender com os alemães (já agora com os ingleses também) alguma coisa sobre discutir alguns assuntos controversos de forma mais distanciada (veja-se o exemplo da exposição da RAF, comparativamente à discussão acessa sobre o possível Museu Salazar em Santa Comba Dão – aqui e aqui, por exemplo). A forma como daqui a 20 ou 30 anos se exporá o tempo que vivemos, eu, que sou um verdadeiro optimista, deixaria ao cuidado de quem tiver essa responsabilidade na altura.

Da nossa Memória

Da nossa Memória

Não saberão todos os meus amigos e leitores, mas eu sou um Espinhense de gema. Nasci, fui criado e vivi os meus primeiros 32 anos na (antiga) Rainha da Costa Verde, cidade banhada pelo Atlântico, pequena, a 20 km do Porto (aproximadamente), encaixada entre os enormes concelhos de Vila Nova de Gaia, Santa Maria da Feira e Ovar. Cidade que se orgulha(va?) da sua organização quadricular em ruas paralelas e perpendiculares ao mar, às quais se deram números, em vez dos (muitas vezes imerecidos) nomes habituais na maior parte das cidades portuguesas. Esses ficaram para os liceus, escolas, pavilhões, estádios, bibliotecas e outros edifícios (aos quais já vamos) e para a parte norte da esplanda que recebeu o nome de dois famosos atletas da terra, mas que toda a gente conhece por esplanada e pronto.

À minha terra chega-se pela rua 19, 24, 62 ou 20 e podemos facilmente perceber para onde queremos ir se soubermos que as ruas paralelas ao mar são números par e as perpendiculares são números ímpar. Se soubermos em que rua estamos e a próxima com que se cruza, é muito simples sabermos o caminho a tomar.

Espinho tem tudo para ser uma cidade com um nível de vida excelente. Tem tudo ao pé, a proximidade ao Porto ajuda nas falhas e não é um simples dormitório. No entanto, é com tristeza que tenho visto, ao longo de muitos anos a sua degradação acentuar-se. São ruas estragadas, edifícios públicos e privados a degradarem-se, comércio a fechar, a frente marítima sempre na mesma (e em parte para pior), a infeliz requalificação do recinto da feira, a construção do tribunal naquele local, a envolvente do Centro Multiusos, enfim são vários os pontos que podemos verificar que demonstram a crise que a cidade vive. Por outro lado também podemos ver os números e verificar que Espinho tem perdido habitantes ao longo dos últimos anos (eu sou um deles e conheço bastantes mais) e está a ficar uma cidade envelhecida.

Podem os meus amigos dizer (quem conhece) que não tivemos uma boa Câmara durante muito tempo, podem dizer que também não temos agora ou que agora temos mas leva tempo a recuperar o que se perdeu. Podem até dizer que é um processo normal, mas, na minha opinião, a justificação é simples e abrange não só a cidade como todo o país. O principal factor que nos leva a este ponto é a ausência completa e absurda (continuada ao que vou vendo) de uma estratégia, de um rumo, de um caminho a seguir que perdure para além de cada mandato municipal e esteja acima de mesquinhos interesses pessoais e partidários.

Claro está que esse rumo exige planeamento e capacidade de execução. É certo. Mas se nem a perspectiva do rumo temos, como o podemos planear? É, a meu ver, angustiante!

Serve este pequeno intróito para vos falar de (mais) uma chaga que podemos ver na nossa cidade sempre que entramos pela rua 19 (é sempre o meu caminho de entrada) e estamos quase a chegar ao tribunal: o Palacete Rosa Pena.

Este palacete é um dos edifícios emblemáticos de Espinho. Confesso que desconheço a sua história, mas penso ter lido algures que foi mandado construir por emigrantes brasileiros (os brasileiros de Torna Viagem) na década de 30 do século passado e é sempre apontado como um excelente edifício de arquitectura da época (confesso que os meus conhecimentos não me permitem afirmar nada com grande certeza sobre o edifício). A dada altura foi utilizado como escola e é dessa altura que eu guardo as melhores memórias do Palacete Rosa Pena. Tinha aulas de educação física (num pequeno ginásio que foi construído atrás e entretanto demolido), de Religião e moral e penso que de uma ou outra disciplina. Hoje o Rosa Pena está assim:

© Ruin’Arte

E o assim pode ser visto por dentro e por fora no interessante projecto que é o Ruin’Arte da autoria do Gastão Brito e Silva que vai pondo a descoberto a forma miserável e triste como cuidamos da nossa Memória Colectiva.

Sobre o Palacete Rosa Pena queria apenas dizer que a Câmara Municipal de Espinho podia fazer melhor. Podia ter usado este edifício para o Museu da Cidade, em vez de o colocar no FACE, por exemplo. Percebo que o edifício que é propriedade de privados seja valioso e que os seus proprietários queiram ser compensados pelo seu valor (um quarteirão em Espinho é um valor astronómico a avaliar pelo que se pede por um T3 no centro da cidade), mas será que não haveria forma de os conseguir compensar e acrescentar à cidade um pouco da sua memória? Não podiam ser os proprietários compensados com outro(s) terreno(s) ou de outra forma justa? É válido que se possa deixar degradar um edifício destes a ponto de cair e assim não estarmos sujeitos às questões de protecção do património!?

Que me dizem vocês?