Gosto

Gosto

Gosto quando o responsável por um museu (hoje em dia não podemos generalizar com o director, porque temos coordenadores e outros cargos para a mesma referência) começa as suas funções a avaliar as fraquezas e forças da colecção que passa a ter em mãos. É um bom sinal! A colecção do museu, independentemente da sua natureza, história e tipologia, é o seu coração, os seus pulmões, os seus órgãos. Sem ela, na minha opinião, não há museu ou o museu perde o seu sentido. A cultura material que os sustenta e está na sua génese não pode ser substituída e deve ser sempre a primeira preocupação para quem assume  responsabilidade máxima numa instituição do género.

Vem isto a propósito das declarações da nova directora do Museu de Serralves ao Diário de Notícias onde Suzanne Cotter afirma que “Agora é momento de avaliar as forças da coleção, ver as áreas em que tem de ser desenvolvida e as oportunidades, para, porventura, forjar novos pilares” tendo para tal a exposição “A substância do tempo” (A maior retrospetiva de desenhos de João Martins), que inaugura brevemente, servido para que Cotter possa “descobrir a coleção ao mesmo tempo que os visitantes a vão poder descobrir”. Uma excelente notícia para Serralves, no meu entender, e para o desenvolvimento da sua importante colecção de arte.

Uma situação que, tal como afirma Cotter, não tem que implicar qualquer desvalorização do papel relevante que Serralves tem tido a nível educativo, de desenvolvimento das artes, etc., mas sim uma avaliação desse papel a nível nacional e internacional em consonância com a globalização e a interacção entre artistas de todo o mundo, servindo a colecção como base para o restante trabalho do museu.

© Imagem: Artur Machado/Global Imagens

Incorporar e desincorporar, eis a questão!

Incorporar e desincorporar, eis a questão!

Um bom texto do New York Times (era bom ter alguns textos como este na imprensa nacional), sobre os problemas que o Brooklyn Museum tem com uma doação feita nos anos 30 do século passado, fez-me relembrar uma discussão que tive com colegas de museus, há muito tempo atrás, sobre a incorporação de colecções sem qualquer planeamento estratégico. Na altura, a discussão surgiu em torno de alguns exemplos concretos de colecções que eram doadas e aceites pelos museus sem qualquer avaliação das implicações daquele acto no curto, médio e longo prazo. Algo que é, de certa forma comum e tende, como bem salienta a Isabel Luna na sua tese de mestrado, a ser pouco discutido na museologia portuguesa.

O que é que os museus devem incorporar? Como o devem fazer? Porque o devem (ou não) fazer? O que devem ter em conta para aceitar uma doação? Têm os meios para o fazer? Estas e outras questões estiveram na base da mais clarividente medida, na minha opinião, da Rede Portuguesa de Museus (RPM) no processo de certificação dos museus portugueses: a exigência de uma política de incorporações escrita que passasse a determinar aquele acto nos museus portugueses. A exigência deste documento teve o mérito de suscitar alguma discussão em torno de um problema que se tem vindo a intensificar com a expansão das colecções nos museus e de criar, nos muitos museus da rede, um instrumento de apoio às decisões sobre esta matéria que devem ser tomadas tendo em conta as questões técnicas e financeiras, mais do que as de carácter político, com que o museu se confronta no médio e longo prazo. Ficaram assim os museus da RPM com um instrumento essencial que lhes permite, em última análise, recusar uma doação que não esteja de acordo com o estipulado formalmente pelo museu e assumido pela tutela.

No entanto, e quanto à desincorporação? Terão os museus pensado nas situações em que se vêm confrontados com a possibilidade de desincorporar um, ou vários, objectos das suas colecções? Eu sei que não é comum, mas se pensarmos um pouco sobre o assunto, percebemos a forte possibilidade de tal cenário se colocar aos responsáveis por determinado museu. Um ou mais objectos que não tenham qualquer ligação com o âmbito e missão do museu, um objecto que não seja possível restaurar, uma colecção que o museu não tenha condições para albergar com as condições exigidas em termos de conservação preventiva, a inexistência de espaço em reserva e dinheiro para comprar mais espaço, etc. são algumas das razões pelas quais poderemos justificar a desincorporação de objectos ou colecções de museus.

Sabendo que são raros, ou pouco conhecidos, os casos de desincorporação nos museus portugueses, ainda assim questiono: quantos museus prevêem essa situação na sua política de incorporações? Será que uma política de incorporações deve prever o seu oposto? Ou devemos pensar antes numa política, necessariamente mais extensa, sobre a gestão da colecção? Um documento que possa, com base na missão do museu, suportar todas as decisões relacionadas com a colecção seria bem mais útil. Julgo até, podendo estar enganado, que era esse o caminho que a RPM pretendia traçar. No entanto, esta é uma situação que não tem tido, fruto das circunstâncias, o desenvolvimento pretendido inicialmente pela RPM, por isso julgo ser da nossa responsabilidade (profissionais dos museus e as associações que nos representam) alertar os museus e as entidades responsáveis para o muito que ainda há para fazer (e já estamos atrasados) nesta matéria.

Que me dizem vocês? Já se confrontaram com situação semelhante à descrita no NYT? E os aspectos legais e financeiros envolvidos? Percebem as implicações que um acordo para uma doação pode ter? Não deveríamos ter outro tipo de precauções?

Museus e Livros – uma questão

Museus e Livros – uma questão

Uma das questões mais comuns nas discussões sobre documentação e desenvolvimento das colecções de museus prende-se com a inclusão de livros e outros documentos (a fotografia é um clássico nesta matéria) no acervo (ou seja a sua incorporação na colecção do museu) de diversas instituições. Esta semana apenas conversei com dois ou três colegas que me colocaram perante esta dúvida: “tenho uma colecção de documentos (livros, fotografias, etc) como devo fazer para os inventariar e documentar? Fazem parte da colecção? Entram como objectos no sistema de informação, ou devem ser registados nas tarefas relativas à documentação associada à colecção?”

A resposta não é simples. No entendimento mais comum o lugar de um livro é na biblioteca, de um documento (gráfico, fotográfico, cartográfico, etc.) é no arquivo, um e outro tratados de acordo com as normas e regras de documentação das respectivas áreas, no entanto, em alguns casos, um livro ou documento poderá também ser considerado um objecto de museu. Pela sua raridade, pela história específica que encerra, por uma marca que o torne singular entre os demais, pela forma como chega até nós, por ter sido pertença de uma entidade específica, entre outros e diversos motivos os documentos e livros podem e devem, na minha opinião, ser considerados no desenvolvimento das colecções dos museus.

Há alguns textos sobre esta matéria que nos podem mostrar diferentes perspectivas, o de Paul Goldman (não o tenho em digital) e este do National Park Service, são dois exemplos. Até vos poderia apontar para o Museo del Libro em Burgos. Mas o que motiva este post é colocar a questão aos meus leitores: que motivos presidem à decisão de classificar um livro ou documento como um objecto de museu? E após a incorporação que procedimentos adoptam na sua documentação?

© imagem daqui