Um bom texto do New York Times (era bom ter alguns textos como este na imprensa nacional), sobre os problemas que o Brooklyn Museum tem com uma doação feita nos anos 30 do século passado, fez-me relembrar uma discussão que tive com colegas de museus, há muito tempo atrás, sobre a incorporação de colecções sem qualquer planeamento estratégico. Na altura, a discussão surgiu em torno de alguns exemplos concretos de colecções que eram doadas e aceites pelos museus sem qualquer avaliação das implicações daquele acto no curto, médio e longo prazo. Algo que é, de certa forma comum e tende, como bem salienta a Isabel Luna na sua tese de mestrado, a ser pouco discutido na museologia portuguesa.

O que é que os museus devem incorporar? Como o devem fazer? Porque o devem (ou não) fazer? O que devem ter em conta para aceitar uma doação? Têm os meios para o fazer? Estas e outras questões estiveram na base da mais clarividente medida, na minha opinião, da Rede Portuguesa de Museus (RPM) no processo de certificação dos museus portugueses: a exigência de uma política de incorporações escrita que passasse a determinar aquele acto nos museus portugueses. A exigência deste documento teve o mérito de suscitar alguma discussão em torno de um problema que se tem vindo a intensificar com a expansão das colecções nos museus e de criar, nos muitos museus da rede, um instrumento de apoio às decisões sobre esta matéria que devem ser tomadas tendo em conta as questões técnicas e financeiras, mais do que as de carácter político, com que o museu se confronta no médio e longo prazo. Ficaram assim os museus da RPM com um instrumento essencial que lhes permite, em última análise, recusar uma doação que não esteja de acordo com o estipulado formalmente pelo museu e assumido pela tutela.

No entanto, e quanto à desincorporação? Terão os museus pensado nas situações em que se vêm confrontados com a possibilidade de desincorporar um, ou vários, objectos das suas colecções? Eu sei que não é comum, mas se pensarmos um pouco sobre o assunto, percebemos a forte possibilidade de tal cenário se colocar aos responsáveis por determinado museu. Um ou mais objectos que não tenham qualquer ligação com o âmbito e missão do museu, um objecto que não seja possível restaurar, uma colecção que o museu não tenha condições para albergar com as condições exigidas em termos de conservação preventiva, a inexistência de espaço em reserva e dinheiro para comprar mais espaço, etc. são algumas das razões pelas quais poderemos justificar a desincorporação de objectos ou colecções de museus.

Sabendo que são raros, ou pouco conhecidos, os casos de desincorporação nos museus portugueses, ainda assim questiono: quantos museus prevêem essa situação na sua política de incorporações? Será que uma política de incorporações deve prever o seu oposto? Ou devemos pensar antes numa política, necessariamente mais extensa, sobre a gestão da colecção? Um documento que possa, com base na missão do museu, suportar todas as decisões relacionadas com a colecção seria bem mais útil. Julgo até, podendo estar enganado, que era esse o caminho que a RPM pretendia traçar. No entanto, esta é uma situação que não tem tido, fruto das circunstâncias, o desenvolvimento pretendido inicialmente pela RPM, por isso julgo ser da nossa responsabilidade (profissionais dos museus e as associações que nos representam) alertar os museus e as entidades responsáveis para o muito que ainda há para fazer (e já estamos atrasados) nesta matéria.

Que me dizem vocês? Já se confrontaram com situação semelhante à descrita no NYT? E os aspectos legais e financeiros envolvidos? Percebem as implicações que um acordo para uma doação pode ter? Não deveríamos ter outro tipo de precauções?